Mãe
Fitam-me teus olhos perdidos
Mas já não sabem quem sou.
Aà estás, inerte num leito
Deste lar de idosos.
E nada posso fazer
A não ser lembrar-me...
Quando eu menino,
Sentado no banco da cozinha,
Te olhava enquanto preparavas o jantar.
Então eu te pedia água e tu me davas numa concha
E aquela era uma água tão boa
Que dela tenho sede até hoje.
E tão boas também eram as horas das tardes
Em que eu, sentado à mesa da sala,
bordava lentamente o caderno de caligrafia.
Está bom? Eu te perguntava. Lindo! Me dizias
Então o céu que se avermelhava além da janela
Entrava por meus olhos e eu me enchia de alegria.
E depois, quando te via sentada ao meu lado diante do piano,
Para me ajudar a decifrar com os dedos aquelas pecinhas
O que ouvia eram sons suaves que pareciam deslizar
Por teu negro longo cabelo.
Agora estou aqui sentado ao lado do teu leito
E vejo teus olhos baços e teu ralo branco cabelo
E no silêncio que nos separa, ouço tua voz clara de outrora.
Sei que naqueles dias me amavas, mas esqueceste.
De ti, porém, não quero esquecer-me,
Pois me deste aqueles breves, eternos momentos
Em que fui feliz.
Não me ouves, mas eu te digo - não sei quem sou,
Ou o que sou, da vida nada compreendi,
Mas naqueles momentos, repito, fui tão feliz...
E te sou grato por isso.
O demônio do meio-dia
Estes são dias tristonhos
Que me cortam
Como uma faca aguçada.
São dias amargos
Que eu bebo
Como se fosse veneno.
São dias escuros
Que me assombram
Como o fundo de uma gruta.
São dias perdidos
Que me esgarçam a alma
Como um trapo inútil.
Mas o sol brilha,
Deslizam as nuvens,
Os pássaros voam,
Os rios fluem,
As flores se exibem,
Mãos se entrelaçam,
LÃnguas se lambem,
Vidas se fazem....
Sou, porém, um deserto,
Sem sol, sem céu,
Sem nuvens,
Sem pássaros, sem rios,
sem flores.
Cortaram-me as mãos,
Arrancaram-me a lÃngua,
Asfixio-me ao respirar,
Tortura-me a solidão
Inevitável do viver,
Aterroriza-me
Saber que não sei ser
E não sei não ser.
Labirinto
Sombras desesperadas correm pelas ruas.
E Gritam e choram e tombam.
Do alto das casas
InvisÃveis soldados de elite atiram.
Intermináveis ruas entrecruzadas,
Esquinas sem solução.
As irresistÃveis malhas do medo
Aprisionando todos nós...
Nosso medo, nossa angústia,
Nossas almas fragilÃssimas.
Do céu virão mÃsseis
Que atingirão os alvos com precisão milimétrica,
PerfeitÃssimos, como deuses.
Eis o mundo,
Diz Mefistófeles numa ópera.
Em verdade, em verdade vos digo,
Ei-lo, de fato!
Mas... enquanto um tiro não me abate,
Corro pelas ruas com os olhos fixos
Na pequena tela de alta definição
Que seguro firme na mão como joia preciosa,
E finjo que o que vejo não é aqui,
Mas longe, muito longe,
Numa galáxia distante,
Num planeta imaginário,
Onde sombras desesperadas correm pelas ruas....
Cantiga
Nessa rua, nessa rua
Tem um bosque
Onde passo
Em minha triste solidão.
Bom seria se você
Me reencontrasse
E querendo, bem feliz
Me desse a mão.
E então por outra rua
SeguirÃamos
Com brilhantes
Espalhados pelo chão,
E tudo voltaria ao que era antes -
Eu, você
E nosso amor na imensidão.
Inominado 24
Pessoas passam
Vêm
Se veem
Se vão.
Tudo é breve
Tudo é vago
Tudo é vão.
Eu?
Fatuidade
Vaidade
Pretensão.
Poemas?
Inutilidade
Desvario
Irrisão
Nada,
Nada,
Nada...
Édipo
Amanhece, ela se foi.
Pelo chão
Restam meus estilhaços.
Tudo é vão.
Não, jamais me convenci de meu sorriso
Quando me dizia a mim
Que era amor o meu desejo.
O desejo
De que ela também a mim amasse,
Só porque me visse amando-a,
Sem princÃpio, meio ou fim.
Mas não foi amor...
Amanhece, ela se foi.
Vagueio por meus corredores escuros.
Não há luz nesta manhã.
Caminho sobre meus estilhaços pontiagudos,
Só para que me firam e para sempre marquem-me
Os pés nos passos inúteis desse querer,
Que foi paixão.
E por ser paixão, me fez ébrio,
E cego, e surdo, e vão.
Mas não foi amor...
Amanhece, ela se foi.
Não importa agora
Que eu siga por estes corredores,
Na escura noite desta manhã,
Que eu siga perdido neste palácio antigo,
Colunas, pedras, pó.
Estas são as minhas ruÃnas.
E eu sigo só.
Sem nada ver,
Afogado nisto que foi paixão,
Mas não foi amor.
Há só um palácio vazio,
Inexistente, pois não há olhos que o vejam.